Rubem Fonseca e as crueldades do ano-novo

Livros

Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon. Vi que as casas de artigos finos para comer e tinham vendido todo o estoque.

Rubem Fonseca é um desses autores que não dá pra ler e ser indiferente. Não dá para gostar mais ou menos de Rubem Fonseca. Se alguém lhe disser “Li, mas achei mais ou menos”, desconfie se a leitura foi realmente feita. Nada que ele escreveu é suficientemente morno para merecer um “mais ou menos”. Seu texto parece sempre ter um gancho de esquerda, que acerta, em cheio, nosso estômago. Infelizmente, somos poucos os que temos estômagos fortes.

Em Feliz ano-novo, ele repete o êxito: três personagens à margem – o narrador, Pereba e Zequinha – assistem na TV o ideal de réveillon enquanto sonham com os restos de Iemanjá para a ceia e as mulheres da televisão. Entre palavrões, gírias e “homenagens”, os três decidem fazer um assalto à uma casa rica. Roubam, estupram e matam, apenas para ter uma festa de festa de ano novo. Perfeito para um roteiro de Tarantino, só que não.

(…)Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.

Por mais que eu goste de Pulp Fiction e Kill Bill, Quentin Tarantino faz um pastiche da violência. Em Feliz ano-novo, a temos crua, com descrições que poderiam estar em qualquer página ou programa policial, se esses  fossem escritos ou apresentados por seus agentes, e é esse o grande trunfo deste conto.

Antes de sabermos com detalhes os terríveis atos praticados pelo narrador e cia, somos apresentados as suas vidas miseráveis e esse é nosso maior incômodo.

Tô morrendo de fome.
De manha a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse, só de sacanagem.

O autor tira suas personagens da posição de meros espectadores. Em um momento eles estão apenas assistindo um réveillon ideal, no outro estão tendo o seu próprio. O que se passa no meio destes momentos é o que nos fará pensar quanto, de fato, custa o que chamamos de Dignidade.

Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano-novo.

O conto Feliz ano-novo foi publicado em 1975 em coletânea de contos homônima.

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