Para Bernadette – personagem do livro The Jane Austen Book Club, de Karen Joy Fowler – Jane Austen é um gênio da comédia. Suas personagens e seus diálogos permaneceram genuinamente engraçados, não como as piadas de Shakespeare que são divertidas apenas porque são de Shakespeare e “devemos isso à ele”.
Talvez a Bernadette de Fowler não tenha lido, visto alguma montagem ou assistido as milhares adaptações daquele que é, segundo estudiosos, um dos textos mais engraçados do Bardo: Muito barulho por nada. Sua última adaptação foi em 2013, com um impensável toque intimista do diretor de blockbusters Joss Whedon, que decidiu filmá-lo em preto-e-branco, utilizando sua própria casa como set e mantendo as rimas dos diálogos originais, mesmo o longa tendo ambientação contemporânea.
Para aqueles que como – desconfio – Bernadette não conhecem a história, essa narra, paralelamente, os encontros e desencontros dos casais – Benedict/Beatrice e Cláudio/Hero – após a chegada da comitiva de Dom Pedro à casa das moças, propriedade do governador de Messina, Leonato.
Benedict, interpretado por Alexis Denisof, é só ofensas para Beatrice. Beatrice, vivida por Amy Acker, faz de suas palavras um guerreiro à altura daqueles que Benedict enfrentou na guerra. Se ambos concordam em algo é no desejo de não se casarem nunca. O que não sabem é que aqueles que o cercam irão ludibriá-los a acreditarem que as faláceas de ambos são apenas formas de ocultar o amor que sentem um pelo outro. Não é preciso saber que ambos acabam, realmente, apaixonados.
Já Cláudio está completamente apaixonado por Hero e pretende casar-se com a filha de Leonato sem demora. O problema é que Dom João, irmão de Dom Pedro, por diversão e vilania pretende fazer com que essa união não aconteça, ora colocando à prova a palavra do irmão, o príncipe, ora difamando a moça. No final, é claro, todos casam-se e vivem felizes para sempre, como em toda comédia romântica, importando, na verdade, os diálogos impagáveis entre Benedict e Beatrice.
Algo me incomodou, porém. Não foi a ambientação contemporânea, como em Romeu+Julieta de Baz Luhrmann, nem a troca do gênero da personagem Conrado. O que deixou-me com um gosto um pouco amargo na boca foi a motivação dada a Beatrice em ser tão perspicaz e ferina quando o assunto era Benedict.
No início do longa vemos Benedict saindo de um quarto, onde deixa Beatrice, que fingia dormir, sem despedir-se dela. Já na casa de Leonato, na festa dos mascarados, Benedict, fingindo ser outra pessoa, incita a moça a falar sobre ele, que o chama de “bufão do rei”. Quando Dom Pedro diz a Beatrice que essa ofensa fez com que ela perdesse o coração de Benedict, ela responde, enquanto são mostradas cenas de uma noite em que ambos estiveram juntos:
É certo, milorde; ele mo emprestara por algum tempo e eu lho devolvi com juros: um coração duplo, no lugar do simples que eu havia recebido. Mas, antes disso, ele já mo havia ganho com dados falsos. Vossa Graça tem razão de dizer que o perdi.
A escolha de Whedon tornou Beatrice mesquinha e despeitada. Qual o problema em uma mulher não querer se casar ou engalfinhar-se, sem motivos, com um homem apenas pelo prazer da briga retórica? O que podemos dizer se alguma alteração desse tipo fosse feita em Catarina de A Megera Domada? Isso, porém, não é motivo suficiente para não gostar do longa, que também não traz um Don João muito bom, mas que revela um Dogberry interpretado por Nathan Fillion impagável!
Outras adaptações?
Muito barulho por nada e Hamlet são minhas peças favoritas de Shakespeare. O que isso quer dizer? Que além de ter lido algumas vezes, também fico à caça de adaptações para o cinema e TV.
A que mais gosto, confesso, é a dirigida em 1993 por Kenneth Branagh. Branagh nos leva, de fato, para Messina e é ele próprio quem vive Benedict tendo como colega de cena – somente – Emma Thompson como Beatrice. O elenco ainda conta com Denzel Washington (Dom Pedro), Keanu Reeves (Dom João) e Michael Keaton (Dogberry).
Em 2011, já fora de sua vida como o Doutor em Doctor Who, David Tennant e sua parceira de série Catherine Tate entraram no Wyndhams Theatre, em Londres, para viverem Benedict e Beatrice e foi um sucesso! Foi aí que o serviço Digital Theatre gravou e vendeu por uma bagatela de £70,00. Ambientada nos anos 80, a briga entre os protagonistas e cativante. Enquanto Tate dá um ar debochado à Beatrice, Tennant confere um cinismo apaixonante para sua contraparte.