O documentário “A Rede Antissocial” e uma parte da minha vida

Filmes

Assisti ao documentário “A Rede Antissocial: Dos Memes ao Caos”. O filme traça uma linha do tempo da escalada dos chamados “Chans”* de “um lugar seguro para falar com outros solitários como eu” para “elegemos o presidente Trump”.

Sempre soube o que rolava nesses fóruns: fui moderadora de um parecido, pela empresa em que trabalhava, por quase cinco anos, já na fase pós-Anonymous. Vi muita coisa que nem sabia que existia. Quando era algo que consiguia contar para as outras pessoas (porque outras coisas queria simplesmente esquecer) a piada sempre era “preciso ganhar por insalubridade”.

No começo, eu derrubava alguns fóruns sobre desbloqueio de PS2, outros ensinando como fraudar cartões de crédito. Vi a chave virar quando começaram a vazar nudes de mulheres por vingança. No final, chegava a derrubar uma centena com todo tipo de perversão e crime. Não aguentava mais porque como eu precisava justificar o motivo de tirar um fórum do ar – ele era monetizado pelo Google Ads e quanto mais páginas e mais movimentações, mais grana – eu tinha que entrar nos fóruns e capturar algumas mensagens. O ano era 2007.

Quando uma ação judicial aparecia, tinha que fazer relatórios com todas as postagens, links e imagens que eram referenciados. Isso me destruía. Essas ações começaram a ser cada vez frequentes e numerosas.

O curioso é que para crimes mais graves – veja não é que uma pessoa ter um nude vazado não seja grave e quem fez isso mereça ser preso – como pedofilia, zoofilia, venda de armas ilegais, venda de dados de cartão de crédito entre outros, eu apenas derrubava o fórum para, no próximo dia, fazer tudo de novo. Era como enxugar gelo.

Decidi não só derrubar como fazer relatórios com dados dos usuários: IP, usuário, e-mail utilizado e porque seu fórum tinha sido tirado do ar. Encaminhei para meu chefe na época, que era dono da empresa, que gostou da ideia. Poderíamos enviar esses dados para algum órgão, alguém que pudesse fazer algo com aquilo. Fomos desencorajados pelo jurídico.

As pessoas não tem ideia de quanto os dados e comportamentos delas são valiosos na internet. As ferramentas de busca sabem muito mais sobre você que a sua mãe ou companheiro. É para elas que recorremos, com login efetuado e já vinculado as informações de idade, gênero e região, para perguntar “quais os sintomas de depressão”, “como fazer um biquini de crochê” ou ainda “quero simular um financiamento de casa”.

Se tem algumas coisas que aprendi foram
1) NENHUM LUGAR NA INTERNET É SEGURO! Tive um amigo da área de segurança que dizia: sabe a melhor forma de saber a senha de alguém? É perguntando! Seja esperando ele ficar bêbado em um happy hour, seja criando um site falso, mas idêntico ao do seu banco.
2) SE O SERVIÇO É GRATUITO, O PRODUTO É VOCÊ! Por exemplo, neste fórum que eu moderava, os usuários geravam um tráfego gigantesco que chegou a pagar a folha de pagamentos de uma pequena empresa (20 funcionários) da área de tecnologia só com Google Ads.
3) NUNCA TER CONVERSAS IMPORTANTES QUE POSSAM SER RECUPERADAS DE ALGUMA FORMA. Entendo que nesse caso, as gerações anteriores a Geração Z levariam vantagens, uma vez que tivemos uma vida que transitava entre o online e offline. Então era só se perguntar: quero falar isso e todo mundo ficar sabendo? Confio nessa pessoa o suficiente para falar com ela a respeito de determinado assunto e saber que ela guardará segredo? Hoje essas barreiras são todas meio borradas e tendo a acreditar que quase inexistentes…

*Chans é a abreviação de channels, ou seja, canais. Esses espaços são anônimos (90% são encontrados na deep web) e têm como regra de ouro a proibição a presença de mulheres. O domínio da norma culta da língua portuguesa também é usado como código de superioridade.

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