Personagens de quadrinhos tem reboots recorrentes. Suas origens são contadas e recontadas, tentando conectar as novas gerações com as personagens, que hoje são, pelo menos, cinquentenárias. Então por que Demolidor: O homem sem medo parece ser muito mais que isso?
Em sua estreia, no ano de 1964, Demolidor aparece sob a alcunha de “o primeiro e único super-herói cego”. A trajetória de Matt tem início em um título próprio (Daredevil #01) criado por Stan Lee e Bill Everett. Grande parte do universo do herói já nos é apresentado nesse volume: a infância em Nova York, mais especificamente em Hell’s Kitchen (Cozinha do Inferno); o acidente que transforma seus sentidos; o amigo Foggy Nelson, com quem abre o escritório Nelson & Murdock e seu interesse romântico na época, Karen Page.
Com o passar dos anos, tornando-se menos popular que Homem-Aranha e Capitão América, as publicações de Demolidor tiveram um período de decadência até colocarem novamente a personagem nas mãos de Frank Miller, que passou pelo título entre os anos 1979 e 1985. Miller tem como intenção fazer uma graphic novel, mas acaba transformando a nova história em cânone de Demolidor.
Como fez 1987 com Batman em Ano Um, em 1993 Frank Miller reconstrói as origens da personagem em Demolidor: O homem sem medo narrando a trajetória de Matt Murdock, o filho único do boxeador decadente Jack “Trabalhador” Murdock, da sua infância entre os bullies e pequenas contravenções na Cozinha do Inferno, até sua transformação no super-herói Demolidor, que travará uma guerra contra o crime organizado, dominado pelo “chefão” Wilson Fisk, mais comumente conhecido como Rei do Crime, sem se esquecer do amigo Foggy Nelson e já antecipando o romance de Matt com Eléktra.
Textos mais despojados (“Demolidor! Um nome novinho em folha no mundo dos super-heróis!”) são substituídos por uma narração mais séria (“Foi naquele momento de fria determinação… o momento em que a vida de Mickey estava em jogo… o momento em que seu lado selvagem se viu calmo e sereno… o momento em que Matt Murdock se tornou homem… foi naquele momento singular que o nome retornou. Demolidor”), inspiradas nos filmes noir, característica bastante presente — em maior ou menor grau — nas obras de Miller e que cabem como uma luva em Demolidor. Na minissérie de cinco volumes, o detetive linha dura é o justiceiro mascarado linha dura, enquanto a dama fatal, é mais que uma mulher sexy, mas uma rival em potencial. O clima se complementa com a ambientação de Hell’s Kitchen, a área degradada, escura e decadente à margem da brilhante ilha de Manhattan.
A grande sacada de Miller é não colocar como única motivação de Matt a vingança.
Murdock vingou- se. Liquidou os homens que mataram seu pai. No processo, matou uma mulher inocente, ou que, pelo menos, não tinha nada a ver com a morte de Jack. Tentou manter-se longe, foi para Havard, tornou-se advogado e quando poderia ter mais uma vez fugido do que precisava fazer, ele percebeu que não poderia. Salvando uma garota que mal conhecia, percebeu que o garoto da Hell’s Kitchen tinha voltado pra casa.