Publicado originalmente em Portal Refil
Vermiglio é um filme de guerra que não nos impõe nenhum corpo mutilado, nenhuma arma ou campo de batalha, mas não se engane ao pensar que eles não estejam ali. É como se tudo isso ficasse pairando como uma presença, mesmo nesse canto do mundo distante do conflito, na pequena cidadezinha dos Alpes Italianos que dá título ao longa. Essa presença acaba personificada em Pietro (Giuseppe De Domenico), o soldado desertor siciliano que salvou o filho de uma das famílias do lugar: esse muda a dinâmica da casa e da vida de seus moradores.
No espaço de quatro estações, essa família se desenvolve e vemos a intransigência do patriarca e professor da comunidade Cesare Graziadei (Tommaso Ragno) que pensa conhecer seus numerosos filhos apenas a partir de sua intelectualidade e não de suas subjetividades – aqui nem são levadas em conta por ele – ser sileciosamente colocada à prova.
Sendo assim, Cesare não entende por que Ada (Rachele Potrich) não tem um melhor rendimento intelectual ao não saber o que a garota faz compulsivamente sozinha atrás do guarda-roupa, comportamento que a leva a praticar asquerosas autopenitencias; também não consegue prever os ataques de fúria e revolta do filho mais velho e nem o amor de Lúcia (Martina Scrinzi) pelo recém-chegado que culmina em uma gravidez e casamento.
A direção de Maura Delpero (que também assina o roteiro) é impecável! Mesmo nos planos mais abertos – que nos localizam na paisagem longínqua, quase esquecida naquele pedaço de Itália – tudo parece íntimo, pessoal, quase um sussurro.
As atrizes Rachele Potrich e Martina Scrinzi são gigantes de formas muito distintas: a interprete de Ada poderia cair no ridículo pela insistência da auto-descoberta” de sua personagem e em e cenas que poderiam soar cômicas, mas nos compadecemos dela naquele lugar que parece pequeno e prosaico demais; já a que vive Lúcia, em seus silêncios e olhar profundo, nos faz entender que não apenas ela, sentindo o que sentia por Pietro, teria tido um destino muito diferente.
Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Veneza – categoria em que disputava com o nosso “Ainda estou aqui” – Vermiglio (que estreia em 10 de julho de 2025) nos oferece uma visão do último ano da guerra e de que nenhum de nós, por mais alheios que parecemos estar de tudo, não saímos de períodos conturbados e violentos sem também termos perdido alguma coisa.