A interação conversacional simulada
Não se engane: antes de pensar em qualquer coisa sobre o seu assistente virtual, a primeira que você deve ter em mente é que desenvolver um chatbot é criar uma experiência de interação conversacional simulada.
Comecemos com a definição de conversa: segundo Ângela C. Souza Rodrigues, a conversação “corresponde a uma interação verbal centrada, que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção para uma tarefa em comum” em que “os interlocutores alternam seus papéis de falante e ouvinte, e dessa atividade ‘a quatro mãos’, ou ‘a duas vozes’ resulta o texto conversacional”
Se nosso assistente virtual terá uma “interação conversacional centrada” com usuários ou outros bots, a primeira coisa a se definir é: centrada em que? Qual será o assunto ou o tópico discursivo?
O tópico discursivo é sobre o que nosso assistente virtual irá conversar. É aqui, também, que definimos o objetivo do bot, sendo essa – sempre – a primeira informação para o início do desenvolvimento do bot.
O tópico discursivo é o assunto principal que será tratado pelo bot. Ele pode ter inserções de outros assuntos ou digressões, mas sempre deve voltar para seu assunto principal, conforme o exemplo abaixo:
| ROBÔ ED: | Olá! Que bom ver você por aqui… Meu nome é Ed, estou aqui para ajudar na preservação de energia e de outros recursos naturais. Sobre o que você quer conversar? |
| INTERLOCUTOR: | O que você gosta de fazer? |
| ROBÔ ED: | O que eu gosto de fazer? Ah, gosto de ler, bater papo furado, olhar estrelas, dançar, ver filmes sobre robôs, conversar sobre energia… Não obrigatoriamente nesta ordem, claro. E você? |
| INTERLOCUTOR: | Eu gosto de ler |
| ROBÔ ED: | Eu gosto muito de ler. Tanto para estar atualizado como por prazer. |
| INTERLOCUTOR: | Qual seu livro favorito? |
| ROBÔ ED: | Meu livro favorito é O Poço do Visconde. |
| INTERLOCUTOR: | Não conheço o Poço do Visconde… |
| ROBÔ ED: | Estou relendo o Poço do Visconde. Estou justo no pedaço que o petróleo vem jorrando com toda a força e a válvula que fecharia o poço tinha sumido. Suspeitam de sabotagem. Quem vai salvar a situação é o Quindim! |
| INTERLOCUTOR: | Falar mais… bom, ando querendo é falar um pouco mais sobre aquecimento global. |
O Robô Ed, desenvolvido pela empresa Insite para a COMPET (Petrobras), tinha como objetivo a conscientização do uso racional de energia e mundo sustentável, com ênfase no uso do petróleo e seus derivados. Ao responder sobre seu livro favorito, mesmo falando sobre livros, ele apega-se a algo relacionado ao seu assunto principal. Quando é convidado a falar mais a respeito, ele retorna ao seu tópico discursivo central.
Definido o tópico discursivo central, vamos a como esse será apresentado pelo chatbot e sua persona.
A Construção da Persona – Etapas
Definindo objetivo do chatbot
O objetivo do chatbot é baseado em seu tópico discursivo central. Se o conteúdobase for centrado no departamento de Pessoas ou Recursos Humanos de uma empresa, o objetivo será responder dúvidas dos colaboradores dessa empresa a respeito de assuntos subordinados a esse tópico como Plano de saúde, Vale transporte, etc…
A definição do interlocutor ideal
O interlocutor ideal tem como base a persona de marketing do cliente. Também chamado de Ideal Costumer Profile (ICP), a persona de marketing é o consumidor ideal do cliente, tendo como base dados sociais, comportamentais e demográficos desse, normalmente extraídos de pesquisas de público-alvo.
Definindo o tipo de chatbot
A grosso modo, pode-se dizer que existem dois tipos de chatbot: os não personificados (que chamarei de corporativos) e os personificados.
O tipo corporativo assume a linguagem, estilo e redação já utilizados pelo cliente com seus colaboradores e/ou consumidores em seus canais de comunicação usuais.
O tipo personificado se dá pela criação de uma personagem, tendo personalidade, linguagem, estilo e redação próprios, em consonância com a marca (e as características atribuídas a ela – prosopopéia) que irá representar.
A escolha do tipo de chatbot
Normalmente essa definição parte do cliente, ao analisar seu público-alvo. Para auxiliá-lo nessa definição, defina a persona de marketing (normalmente já desenvolvida pela área responsável do cliente).
Definindo a experiência conversacional
Ao analisar o interlocutor ideal, definimos a experiência conversacional que queremos que esse obtenha. Isso depende, claro, do tipo de chatbot escolhido para o projeto.
Para chatbots do tipo corporativo, a experiência não terá grande mudança da já experimentada na comunicação já é feita por seus canais usuais.
Para chatbots do tipo personificado a análise do interlocutor ideal será fundamental, podendo resultar em uma experiência espelho ou especialista.
- Espelho: baseada quase que integralmente no interlocutor ideal. Deve ser utilizada quando a comunicação fundamenta-se na experiência compartilhada, por exemplo, uma mãe quer conversar com outra mãe sobre a melhor forma de colocar seu bebê para dormir;
- Especialista: Profundo conhecedor no tópico discursivo central, do qual a persona de marketing tem dúvidas pontuais. Utilizado quando a comunicação fundamenta-se na especialização profunda sobre o assunto como, por exemplo, um investidor quer ser aconselhado por um Equity Research (Analista de investimentos).
Criando um personagem – chatbot personificado
Criar um chatbot personificado não se difere muito da criação de uma personagem de livro, filme ou série de TV. Ele deverá ser o protagonista, o “mocinho” ou “mocinha” da história, mas diferente de Indiana Jones que estará correndo atrás de relíquias arqueológicas ou de Luke Skywalker que quer se tornar um jedi, nossa personagem será inserida em um mundo em que sua religião será os valores de sua marca e suas relíquias as informações que conhece da empresa que o/a mantém.
Se a criação de um chatbot personificado pode ser comparada com a criação de uma personagem de ficção, nada melhor que utilizar técnicas já consagradas de teóricos de uma dessas áreas. Syd Field nos capítulos 3 e 4 do livro de cabeceira de nove entre dez roteiristas de Hollywood, “Manual do Roteiro”, nos apresenta uma forma simples e eficaz de desenvolvimento de personagem. Abaixo segue esquema resumido, baseado nos capítulos citados.

Cada um dos itens acima estão descritos no formulário disponibilizado no Anexo 1 deste documento, que servirá como guia para criação de personagem.
Definindo a persona
Pode-se definir persona como a imagem pública pela qual um ator social se apresenta, condicionada às suas aspirações e ao seu ambiente. Então, qual será o approach da personagem? Essa será gentil ou incisiva? Será sisuda ou descolada? Para isso podemos fazer um estudo de personalidade.
Existem vários tipos de estudos de personalidade. Destaco aqui o Myers-Briggs, baseado nos estudos de Carl Jung em que, após a aplicação de um formulário (disponível no Anexo 2), pode-se definir entre as 16 personalidades distintas a da pessoa analisada que, no nosso caso, é a do chatbot em desenvolvimento. As personalidades são definidas a partir de quatro dimensões distintas:
- Extroversão (E) versus Introversão (I)
- Sensação (S) versus Intuição (N)
- Pensamento (T) versus Sentimento (F)
- Julgamento (J) versus Percepção (P)
Como queremos um chatbot receptivo e comunicativo, a primeira dimensão, sempre será marcada pela Extroversão. Sendo assim, temos oito personalidades, sendo elas (descrição com base no site www.truity.com):
| SIGLA | DESCRIÇÃO |
| ESTP | O ESTP prefere manter as coisas em ritmo acelerado e tolo, em vez de emocional ou sério. Enérgicos; – Problemas imediatos, com soluções práticas; – Ativos e divertidos; – Falam livremente e podem parecer bruscos e impacientes ao transmitir sua mensagem; – Encantadores; – Mestres em negociações. |
| ESFP | Os ESFPs são tipicamente afetuosos e comunicativos e têm um entusiasmo contagioso pela vida. – Espontâneos; – Divertidos; – Comunicativos; – Gostam de pessoas e conversas cheias de risadas; – São gratuitos com elogios; – Bons solucionadores de problemas quando se trata de questões práticas e interpessoais. |
| ENFP | Os ENFPs são criadores centrados nas pessoas, com foco em possibilidades e entusiasmo contagioso por novas idéias, pessoas e atividades. – Enérgicos, calorosos e apaixonados; – Comunicadores ágeis e expressivos; – Imaginativos e originais. – Altamente empático |
| ENTP | Os ENTPs são inovadores inspirados, motivados a encontrar novas soluções para problemas intelectualmente desafiadores. – Curiosos e inteligentes; – Mente aberta e não convencional; – Raciocínio rápido; – Comunicadores animados e ágeis; – Adoram soluções inovadoras; – Entusiastas da mudança; – Altamente analíticos. |
| ESTJ | Os ESTJs são conservadores, ansiosos por assumir o controle da organização de projetos e pessoas. – Cumpridores de regras; – Sistemáticos e metódicos; – Ordem lógica. – Comunicadores práticos e orientados para a ação. – Claros sobre expectativas e procedimentos; – Pouca paciência para desvios ou não-conformidades. |
| ESFJ | Os ESFJs são ajudantes conscientes, sensíveis às necessidades de outras pessoas e dedicados energicamente às suas responsabilidades. – Atentos aos sentimentos dos outros; – Senso de harmonia e cooperação; – Valorizam a lealdade e a tradição; – Não se sentem à vontade com críticas e conflitos; – Incentivadores |
| ENFJ | Os ENFJs são organizadores idealistas, orientados a implementar sua visão do que é melhor para a humanidade. – Catalisadores do crescimento humano – Apaixonados pelas possibilidades das pessoas. – Enérgicos e direcionados – Conscientes do sofrimento humano; – Calorosos – Criativos ao apresentar soluções – mentores naturais |
| ENTJ | ENTJs são líderes estratégicos, motivados para organizar a mudança. Eles são rápidos em ver a ineficiência e conceituam novas soluções e gostam de desenvolver planos de longo prazo para – realizar sua visão. – Analíticos e objetivos; – Assertivos e gostam de assumir o controle; – Comunicadores diretos e comandantes; – Estratégicos em seus pensamentos. – Lógica e orientada a tarefas. – Fazem críticas livremente. |
Como dito anteriormente, este material está privilegiando a criação de personalidade baseado no método Myers-Briggs. Existem outros que também podem ser consultados e utilizados. A única coisa que se deve ter em mente é: no contexto conversacional de um chatbot, a personalidade é marcada pela linguagem utilizada pelo robô, seja por uma personalidade desenhada por teorias psicológicas ou por signos do horóscopo.
Para chatbots do tipo corporativo, a linguagem não terá uma grande mudança de como a comunicação já é feita por seus canais usuais.
Para chatbots do tipo personificado – em que será necessária a criação de uma personagem ficcional, que protagonizará a narrativa já construída da empresa no mercado – será necessária a criação de um manual de redação e estilo.
Desenvolvimento da redação e o estilo de fala
Após a definição do interlocutor ideal (pessoa com quem o bot irá conversar) e da personalidade do bot, devemos entender como esse irá “falar”, de forma a não ser apenas compreendido, mas que tenha também simpático ao seu interlocutor. Para isso devemos definir as variações linguísticas e marcadores conversacionais que serão utilizados.
Entre elas temos:
- Variações diatópicas – Referente aos regionalismos (“mexerica”, “bergamota” ou “tangerina”)
- Variações diastráticas – Referente ao grupo falante (faixa etária, profissão, estrato social)
- Variações diafásicas – Referente ao ambiente e ocasião, linguagem formal ou informal.
Os marcadores conversacionais são “elementos que ajudam a construir e a dar coesão e coerência ao texto falado, especialmente dentro do enfoque conversacional”. Apesar de sua definição apontar apenas o texto falado, também é possível vê-la no texto verbal, oriundo de aplicativos de mensagens. Sendo assim teremos marcadores verbais e não-verbais. A utilização desses marcadores está condicionada à escolha das variantes linguísticas que serão utilizadas.
Para melhor aproveitamento deste conteúdo, indico a aplicação dos formulários “Criação de Personagem” e “Personalidade Myers-Briggs”, além das leituras dos estudos de caso, disponíveis nos botões abaixo:
Bibliografia
BERNINI, Ednéia Aparecida Bernardineli. A presença de marcadores conversacionais em e-mails. Disponível em <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/download/8432/7368>. Acesso em 14 de abr. de 2020.
FÁVERO, Leonor Lopes. O tópico discursivo in Análise de textos orais, 6ª edição. São Paulo (SP): Humanitas – FFLCH/USP, 2003.
FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro (RJ): Objetiva, 2001.
NERIS ANALYTICS LIMITED. 16Personalities. Página inicial. Disponível em: <http://www.16personalities.com/br>. Acesso em: 14 de abr. de 2020.
RODRIGUES, Ângela C. Souza. Língua falada e língua escrita in Análise de textos orais, 6ª edição. São Paulo (SP): Humanitas – FFLCH/USP, 2003.
SANTOS, Kassia Kaylane Abreu dos. Que língua é essa? Estudo de marcadores conversacionais do internetês no WhatsApp. Disponível em: <https://bdm.ufpa.br:8443/jspui/bitstream/prefix/1542/6/TCC_LinguaEstudosMarcadores.pd>. Acesso em 14 de abr. de 2020.
TRUITY. Free Personality Testes and Career Assessments | Troity. Página inicial. Disponível em: <https://www.truity.com/>. Acesso em: 14 de abr. de 2020.
